Entrevista com o 1ON Misael Berdeide
Abaixo segue a entrevista concebida pelo 1 ON Misael Berdeide. Berdeide se formou em 2002 na EFOMM e desde lá acumulou uma longa e boa história que o mesmo nos conta na seguinte matéria. Acompanhe esta proveitosa entrevista.
1) Como e quando conheceu a EFOMM?
Eu conheci a EFOMM através de um amigo chamado Márcio Santoro. Hoje ele é Imediato em um dos navios da Transpetro. Na época (1997), fazíamos juntos um Curso Preparatório para Escolas Militares no Centro do Rio de Janeiro (Curso Tamandaré), e como ele já conhecia essa área ou tinha uma pequena noção do assunto, acabou me chamando para fazer o concurso. Lembro que ele me entregou o edital faltando um dia para o encerramento da inscrição. Na época a taxa de inscrição custava R$ 10,00. Então não pensei duas vezes. Prestei o concurso.
2) Como foi sua praticagem?
Eu iniciei a minha Praticagem em 07 de Agosto de 2002, ou seja, 12 dias após a minha formatura no CIAGA. Naquela época não esperávamos muito para embarcar. E olha que eu fui o último colocado na classificação da minha turma.
Eu realizei a minha Praticagem na Transpetro, no N/T Dilya. Confesso que não tive muita sorte porque embarquei com alguns Oficiais de Quarto de Navegação “Sem Saco”, que estavam a bordo para simplesmente ganhar dinheiro e nada mais. Isso de certa maneira me prejudicou no início. O Comandante nada podia fazer, pois na ocasião não havia mão-de-obra para substituir os Oficiais, e sendo assim, ele tinha que aturar muito “remo”. Em seguida, embarcou um Oficial de Náutica chamado Ricardo (Paraense), que teve a bondade de me passar seus conhecimentos. Os Imediatos também me ajudaram muito. Eram eles: 1ON Edson (Paraense) e o 1ON Roberto (Capixaba). Nos primeiros três meses navegamos pela região sudeste do Brasil. Fazíamos muito os portos de Vitória e Santos. As manobras em Santos eram sempre de madrugada. O Dilya tinha uma boa performance. Era considerado um dos melhores navios da Classe naquele ano. Chegamos a fazer Bahía Blanca – Argentina uma vez. Ficamos certa vez sete dias aguardando boas condições de mar para operar em Tramandaí-RS. Depois disso subimos para o Nordeste Brasileiro (Salvador, Maceió, Suape, Cabedelo, Natal e Fortaleza), onde começou a minha Praticagem (Risos). Nessa época o Imediato não parava de trabalhar. Além de tirar o seu quarto de navegação, ele ainda trabalhava bastante no Porto, com atividades relacionadas a carga/descarga. Os Portos eram próximos um do outro, e isso deixava o Imediato muito cansado. Faltando praticamente dois meses para acabar o meu período de Praticagem o Comandante do navio me perguntou se me interessava assumir a função de 2ON. Na época eu fiquei bastante feliz, pois ainda era um Praticante. Acabei aceitando o convite, e despachei como 2ON até o fim da minha Praticagem.
Em relação a Transpetro, eu costumo dizer que é uma grande Escola para quem deseja iniciar a carreira de marítimo. É uma empresa sólida que dá muitas oportunidades.
3) Conte-nos um pouco de sua experiência em trabalhar na Cabotagem e no Offshore.
Minha experiência na Cabotagem se resume a minha Praticagem, pois ao término da mesma, eu acabei ficando poucos meses na “Transpetro”. Os meses que fiquei trabalhei no Brotas e no Bagé. Após a minha saída da Transpetro eu fui trabalhar na empresa “Navegação São Miguel” (Operações com Bunker), onde tive a oportunidade de tripular uma embarcação nova. Trabalhei com “Bunker” nos Portos do Rio de Janeiro e Santos, em regime de embarcado. Foi uma experiência muito interessante, sobretudo porque lidei diretamente com diversos marítimos estrangeiros, tinha a responsabilidade pela carga e descarga de uma pequena embarcação. Amadureci bastante como profissional.
Depois de quase dois anos na São Miguel, eu fui para o Offshore atrás de novas experiências, dinheiro e melhores condições de trabalho.
Comecei no Offshore com o pé direito. Tive a sorte de ser contratado por uma empresa norte americana para trabalhar em plataforma de perfuração, como Operador de Posicionamento Dinâmico. O ano era 2005. Esta empresa me ofereceu simplesmente o dobro do salário que a “São Miguel” me pagava e mais benefícios. O detalhe era que a empresa precisava de um Oficial sem experiência em Posicionamento Dinâmico, e como eu não tinha experiência alguma com DP, acabei sendo contratado. Esta empresa investiu bastante em mim. Fiz diversos cursos no Brasil e dois no exterior.
Foi nesta empresa que eu passei a ter mais contato com estrangeiros e alguns brasileiros com uma boa visão de mercado. Esta experiência bastou para que eu buscasse novos horizontes. Em 2008 enviei meu Currículo para um site britânico que recrutava marítimos. Foi quando a Acergy Internacional me chamou para uma entrevista por telefone, e me fez uma proposta muito boa na época. O Salário era em moeda estrangeira “Euro”. Eles me ofereceram o dobro do que eu recebia na empresa de perfuração. Além do alto salário, a empresa me proporcionaria uma oportunidade de trabalho no exterior. Esse último detalhe me fez mudar mais uma vez de empresa. Nunca tive medo de mudar. Coloco sempre a minha carreira e o bem estar da minha família em primeiro lugar. Alguns colegas ainda carregam uma mentalidade antiga, de que fazer carreira em uma única empresa é a melhor coisa do mundo. Acho que não é bem assim. Há muitas boas oportunidades no mundo para nós marítimos, só precisamos olhar para os lados e vê-las.
4) Como definiria a profissão de marítimo?
Sem menosprezar as outras profissões, ser marítimo é exercer a mais alegre e refinada profissão. Ser marítimo é verdadeiramente estar comprometido com as atividades de bordo, não somente com o conhecimento, mas acima de tudo com o bom uso desses conhecimentos. Sou suspeito para falar desse assunto, mas amo muito a minha profissão. Tenho orgulho de ser marítimo. Admiro muito marítimos assim.
Há mais ou menos três anos atrás eu estava com meus pais e um primo visitando um ponto turístico no Rio de Janeiro (Pão de Açúcar), quando avistei o humorista e ex-vapozeiro Nelson Freitas (Programa Zorra Total). Na ocasião eu sabia que ele era ex-Aluno da EFOMM, e por isso fui cumprimentá-lo. Antes de apertar a minha mão ele foi logo dizendo:
– Tu é Vapozeiro, não é?
Eu ri, e respondi com a maior alegria.
– Sou sim. Sou da Turma 2002 (EFOMM – CIAGA).
Minha resposta bastou para que ele fizesse a mais famosa pergunta.
– Ta aonde?
Mesmo afastado da atividade, o Nelson demonstrou a maior alegria em lembrar dos tempos de Marinha Mercante. Isso é muito positivo em minha opinião.
5) Qual a maior dificuldade e a maior facilidade que encontrou na profissão?
A maior dificuldade é lidar com colegas que odeiam trabalhar embarcado. Costumo chamar esse tipo de gente de “Falso Vapozeiro”. A maior facilidade é viajar bastante, conhecer países, cidades, culturas e fazer amizade.
6) Contribuir para o crescimento de nossa Marinha Mercante com atividades extras é algo muito nobre, como surgiu a idéia de criar um Blog Mercante, se inspirou em algum outro site?
Surgiu no ano de 2004, mas foi colocada adiante em 2009. Para que o BlogMercante se tornasse o que é hoje, era preciso criar uma base virtual. Usei o Orkut como base e laboratório. Quando percebi que havia bastantes usuários participando, eu tomei a iniciativa de criar um site voltado para área. Buscamos valorizar o verdadeiro marítimo. O artista principal do Blog é o marítimo.
Outro dia um amigo me perguntou se eu havia me inspirado no site norte americano Gcaptain. Prontamente eu disse: Não. Antes de conhecer o Gcaptain eu já pensava em criar um site para comunidade marítima. Muita coisa aplicada nos sites marítimos estrangeiros jamais seria aceita em nosso país. Tivemos que lidar com a diferença de cultura.
7) Quais os benefícios, ao seu ver, o Blog trouxe a Marinha Mercante Brasileira?
(Risos). Vou ser sincero. Eu ainda não tenho noção disso. Grosseiramente falando, acho que o BlogMercante reacendeu a esperança do trabalhador marítimo em buscar melhorias para atividade. Somos contra a alienação do profissional marítimo. Isso têm incomodado algumas pessoas. Trouxemos de volta o debate. Levamos a informação para o público não marítimo. Divulgamos a nossa profissão. Reunir toda classe marítima ou boa parte dela é humanamente impossível. O Blog está presente em diversos navios, rebocadores, plataformas, escolas e casas de muitos brasileiros. O público marítimo tem nos prestigiado bastante. Em Fevereiro deste ano tivemos mais de 76 mil acessos.
8) Tem algum outro projeto em mente extra Blog Mercante?
Sim. Quero visitar Jerusalém (Israel) esse ano, para fotografar a cidade. Adoro fotografar.
Pretendo ainda esse ano reunir alguns marítimos no Rio de Janeiro e Belém para iniciarmos uma série de projetos. Acho que vamos fazer história esse ano, se Deus permitir.
9) O que achou da idéia da criação do Canal 16?
A idéia de vocês foi excelente. Vocês tiveram muita ousadia nesse projeto. A Marinha Mercante precisa de mulheres e homens ousados. O Canal 16 é a porta de entrada da EFOMM – CIABA no mundo virtual. A Responsabilidade é muito grande. Quase todos os dias eu visito o site de vocês.
10) Deixe uma mensagem aos futuros colegas de profissão.
Ame o seu país e a profissão que decidiu abraçar. Sejam ousados, pois as conquistas são fáceis de alcançar, mas são difíceis de conservar.
Oficial Al. Saulo.