Diário de um Praticante – PON Gustavo Rocha
Visando auxiliar tanto alunos quanto curiosos, o Canal 16 irá começar uma nova série de reportagens relacionadas a praticagem. A praticagem é o período de estágio obrigatório de um aluno da EFOMM, devendo ser cumprido logo após a escola, sendo diferente entre Máquinas e Náutica. Os diários serão postados periodicamente pelos ex alunos, atualmente PON( Praticante Oficial de Náutica) Tarcísio e Paloma, e POM( Praticante Oficial de Máquinas),Samara e Ramalho, formandos da turma de 2008 – 2010. A freqüência dos diários não será fixa, visto que também depende da disponibilidade dos praticantes. Entretanto, o objetivo é que sejam postados um diário de cada por mês. Segue abaixo um resumo da praticagem do, hoje em dia, 2ON Gustavo Rocha, comandante-aluno do ano de 2008.
Praticagem : Um Mundo Estranho à Frente
“Bom, eis um relato de um dos períodos que ,pelo menos para mim enquanto aluno do Centro de Formação, constituía uma constante interrogação. O que me espera? Como devo proceder? Será que vou me adaptar? Será que o que falam a respeito é verdade? O que será mito? Esses e outros questionamentos estavam sempre presentes em minha mente e só agora, ao terminá-lo e poder refletir e filtrar o que ficou de positivo, posso afirmar o que representou ao profissional e pessoa Gustavo.
O praticante, assim que põe o pés no convés e se depara com aquilo que será seu lar pelos próximos meses, fica meio intimidado e receoso ao mesmo tempo. É uma sensação estranha, mas extremamente natural, uma vez que tudo que vem à frente, desafios e trabalhos, são novidade, mesmo para aqueles que porventura já tiveram oportunidade de embarcar ou que ao menos tiveram uma base acadêmica consolidada.
Um ponto positivo que observei a meu favor foi ter ao menos uma noção teórica do que na praticagem, aplicaria na prática. Auxiliou-me bastante já conhecer determinados equipamentos, legislações e regulamentos, normativas internacionais e de navegação, por exemplo. Percebi que o mesmo se aplica à Máquinas. Aqueles que conseguiam distinguir e reconhecer os motores, seu sistema de funcionamento e principalmente o porquê das coisas saiu à frente. Recordei-me por diversas vezes que muitos hoje oficiais diziam que tudo que é aprendido na Escola, nada ou um mínimo é aplicado a bordo. Posso dizer que foi errada a informação que passaram e que é muito mais tranqüilo e confortável quando sabemos de algo, mesmo que superficialmente. É mais confortável para o praticante e oficiais do navio quando o aprendiz se mostra conhecedor do assunto.
As primeiras semanas foram basicamente tira-dúvidas e observação contínua aos detalhes, tentando entender os procedimentos, a razão das muitas “receitas de bolo” que a tripulação passa e comparar o que foi passado na teoria e o que se está fazendo na prática.
Saber antecipadamente quais documentos e registros que deve possuir ao embarcar é fundamental e evita desgastes e aborrecimento por parte do navio, que terá que providenciá-los para assegurar a permanência a bordo do praticante. Carteira de vacinação, ASO (Atestado de Saúde) , CIR, fotos e demais documentos disponíveis pelo estagiário devem ser levados no original para bordo e uma vez lá, será requisitado e informado o responsável pela guarda dos mesmos (normalmente o 1ON).
A praticagem, por si só, não constitui nenhum mistério, contudo se a tripulação (e sobretudo o comando) for acessível, profissional, unida e solidária, torna-se extremamente ameno qualquer problema que possa aparecer. No meu caso, foi esse o período que mais aproveitei e me esforcei, pois já sabia o que fazer e ainda não estava cansado do embarque.
Por falar em dificuldades e situações difíceis, é verdadeiro o fato de que é inevitável passar pela praticagem sem experimentá-las. Uma vez aparecidas, vem à mente: “O que fazer?” e, para mim, o que sempre funcionou foi manter a calma, agir com a razão, cumprir as determinações dos superiores, participar qualquer irregularidade observada, manter vigilância dobrada e constante e perguntar sempre que julgar necessário, a fim de deixar claro as ordens emitidas. Muitos marítimos ignoram procedimentos, seja os emitidos pela empresa ou órgãos regulamentares internacionais, por julgarem desnecessários ou excessivos à atividade praticada no navio. Porém, uma vez entendido seus objetivos, vê-se que possuem seu valor e aplicação e, assim, suas aplicações tornam-se imprescindíveis.
Exercícios programados: esse, observar-se-á a bordo, é um dos pontos mais reclamados pelos tripulantes, uma vez que constitui fuga de rotina e trabalho extra aos envolvidos, mas que também é fundamental sua realização regular, a fim de garantir o treinamento dos marítimos em dias, garantir a segurança de pessoal, carga e navio e estar preparado para quaisquer vistorias e inspeções por vir.
Ao final desse primeiro período que chamo de familiarização, a rotina fica mais leve, uma vez que o praticante já fez amizade com os companheiros de bordo, está ciente de suas funções, tem ideia das atividades gerais do navio e o que esperar do próximo porto (ou da próxima manobra de fundeio ou atracação, por exemplo), uma vez que se trata de um panorama praticamente constante em todos eles. Aproveitei esse intervalo entre o início de estágio e o período que antecipa o desembarque para aprender o máximo que pude de tudo aquilo que ainda estava pendente à minha formação. No meu caso, foi esse o período que mais aproveitei e me esforcei, pois já sabia o que fazer e ainda não estava cansado do embarque.
Após tal fase, vem a outra que me pareceu bem semelhante àquela vivenciada quando se aproximava as férias no CIABA, período em que o cansaço e a vontade de ir para casa e descansar preponderam e a rotina já é cumprida no automático. É a fase de término de praticagem e finalização do trabalho de Estágio para os maquinistas e de recesso para os futuros oficiais de Náutica. No caso dos pilotos, é preferível conhecer e aprender grande parte dos conceitos e fainas dos oficiais e também guarnição e deixar apenas detalhes e conhecimentos mais específicos e menos importantes para outra metade do longo período de um ano.
Aqui, embora não tenha explicitado muito a respeito, termina a experiência na praticagem para Máquinas. Aos de Náutica, ainda os espera um longo caminho a percorrer.
Algumas empresas, na volta do recesso, embarcam os comumente chamados praticas em outros navios. Há seus pontos positivos, já que se passa a conviver com outras pessoas e maneiras de trabalhar ou mesmo conhecer outros recursos disponíveis na nova embarcação. No entanto, caso esteja bem adaptado ao navio ,tenha estabelecido um bom relacionamento com os demais e ainda tenha a opção de escolher, certificando-se de que a mudança não acrescentará de forma significante no desenvolvimento profissional, não recomendo a alteração.
No regresso do recesso, tem-se a sensação (de período bem menos duradouro) semelhante a sentida no início da praticagem. Segundo dia já estava preparado novamente às fainas, obrigações e cobranças cotidianas. Por falar em cobranças, essas estão sempre a acompanhar os praticantes de todos os lados. São afazeres de toda oficialidade, de segundo piloto a comandante, daí a importância de conhecer as funções de todos. Quanto a história de “saiba fazer os trabalhos da guarnição para que você saiba fazê-la quando mandar alguém realizá-la” é válida sim. Ter ciência do que se ordena é realmente importante, seja na Marinha Mercante ou qualquer outra área.
Faltando pelo menos dois meses para o término, começa a famosa fase da contagem e começa-se a já sentir o gosto de ser oficial, deixar de ser apenas o velho e bom pratica, fazer planos de como investir o dinheiro (estou sendo utópico ou otimista demais com os vapozeiros?) e poder ter um regime de embarque mais light.
Bom, o mais importante é manter o equilíbrio sempre e quaisquer situações, fazer boas amizades, saber lidar com os que o cercam, aprender o que puder, estudar um pouco, ser curioso, mostrar interesse, conquistar confiança dos superiores e respeito dos subalternos. Ser humilde e correto o suficiente para assumir erros ou perguntar quando em dúvida. Cooperação e solidariedade devem estar lado a lado. Praticante faz parte da equipe do navio e é como equipe que deve proceder. A infinidade da praticagem da náutica até pouco tempo antes de acabar o estágio não passava de mito, mas uma vez se aproximando, o tempo não passa, parece que vai se prolongando. Passados os 360 dias…bom, é só partir para o abraço!!!”
Por Gustavo Rocha Gomes de Mélo
2º Oficial de Náutica – OSM – Offshore