Vida Mercante #6: Palavras do Comandante Manoel Gomes de Souza
O Jornal Canal 16 tem o orgulho de apresentar a coluna Palavras do Comandante que faz parte da série de entrevistas com pessoas que constroem a Marinha Mercante, que ao compartilhar seus conhecimentos e suas experiências de embarque em diversos países e navios, nos instrui e motiva a continuar singrando os mares da carreira marítima. Assim, Estrearemos com o Comandante Manoel Gomes de Souza, do Rio de Janeiro, que gentilmente concedeu as palavras para todos os leitores, passando principalmente muita experiência aos futuros oficiais.
O Comandante Manoel Gomes de Souza ingressou na Marinha Mercante em 1982, quando começou o curso de formação no CIAGA, terminando em agosto de 1985. No mesmo ano, embarcou como PON na empresa Mercantil, especializada em navios químicos. Após a praticagem, que no período tinha duração de seis meses, começou como 2ON na empresa Flumar, onde permaneceu por 8 anos, afastando-se para tentar, como muitos, um negócio próprio.
Porém, “o bom filho a casa torna”, assim, após 3 anos como 1 ON, embarcou novamente na empresa HDS, norueguesa com navios de bandeira Liberiana, permanecendo 5 anos, onde desempenhou as funções de 2ON até Imediato. Após esse período, embarcou na Transpetro, como Imediato, onde permaneceu por 3 anos. Em 2007, começou no Offshore, na Maersk, em 2010, foi contratado pela Norskan. Atualmente, está na função de Comandante no AHTS Skandi Iguaçu. Experiências incríveis para compartilhar com todos, com as palavras, Comandante Manuel Gomes de Souza:
1 – Em sua percepção o que mudou na Marinha Mercante nestes últimos anos e qual a comparação com o cenário atual?
Na minha opinião, a principal mudança ocorreu com a tripulação em geral. Nos meus primeiros anos de carreira, o comum era que somente os oficiais tivessem curso universitário, e os demais tripulantes não, quando muito tinham o 1º Grau. Hoje, com raras exceções, todos tem o ensino médio, alguns ainda tem diplomas universitários, e os oficiais não se limitam ao curso de formação da EFOMM, muitos cursam faculdades à distancia ou já tem uma segunda formação.
2 – Como o Sr vê a atuação do Sindicato/Sindmar nestes últimos anos? Quais os progressos que o Sr mencionaria?
Vejo como muito boa a atuação do Sindmar. Hoje, temos mais coerência do que alguns anos atrás. A principal mudança, que tive a oportunidade de acompanhar, foi a unificação dos sindicatos dos oficiais (Antigamente, eram sindicatos diferentes para maquinistas e pilotos). Tal mudança nos deu mais poder de negociação e, portanto, maiores possibilidades de ganho. Outro progresso, é que o sindicato hoje também atua na especialização de seus filiados, oferecendo diversos cursos, como DP.
3 – Como o Sr vê o controle e a formação de oficiais de MM pela Marinha do Brasil e o que falta na formação do Oficial Mercante? Como o Sr vê o desempenho dos novos oficiais que estão embarcando agora?
Sou de opinião de que a Marinha do Brasil é a única instituição capaz de bem formar um Oficial Mercante, claro que as matérias de formação podem ser ministradas por quem quer que seja. Entretanto, um bom marítimo não se forma somente com matérias acadêmicas, faz-se necessário também o conhecimento marinheiro, ou seja, as noções de hierarquia, disciplina e, mais do que tudo, o que é um navio!
Quanto ao que falta, na parte de experiência, seria o embarque antes de se formarem, o antigo PIN! Na minha época de escola, embarcávamos por 3 meses no inicio do segundo ano, e tal embarque nos dava uma dimensão muito maior de nossa futura carreira. Quanto ao desempenho, penso que isso é uma questão de comprometimento pessoal, se uma pessoa não tiver o comprometer pessoalmente de fazer um bom trabalho, de nada adianta a melhor formação acadêmica.
4 – Atualmente estamos enfrentando certa fila para o embarque para o período de estágios conhecido como PREST, o que gera problemas para os alunos durante o final do período de formação. Como o Sr vê este problema? Por que as empresas não disponibilizam mais vagas aos praticantes? Qual seria a solução eficaz?
Esta questão é mais complexa do que parece, somente abrir vagas para a praticagem não é a solução. A minha visão é a seguinte: temos de ter em mente que as empresas, ao contratar um praticante, estão, na verdade, contratando um futuro funcionário, ou seja, a abertura de vagas para praticantes, na verdade, está ligada a necessidade da empresa. Se as empresas de navegação não abrem tantas vagas quanto os praticantes que são formados, na minha opinião, estão se formando mais praticantes do que o mercado necessita.
Outros fatores influenciam neste cenário como, por exemplo, a permissão que os oficiais mercantes de outras nacionalidades embarquem em navios brasileiros, em outras palavras, cada oficial estrangeiro embarcado é menos um oficial brasileiro, e no fim da fila menos um praticante a ser embarcado. Como disse anteriormente, não disponho de todos os dados e informações para essa questão da maneira mais possível, portanto, está é a minha visão particular.
5 – Como o Sr vê o futuro da Marinha Mercante no longo-curso, na cabotagem e no offshore? E qual será a participação da bandeira brasileira neste cenário?
A Marinha Mercante, assim como as demais indústrias de um país, depende das políticas econômicas adotadas por este país. Incentivo e investimento em Marinha Mercante depende, ao meu ver, mais de decisão política do que da real necessidade do mercado. É difícil fazer previsões sobre o futuro da mesma no longo-curso e cabotagem, pois já estou afastado destes segmentos a quase uma década, porém, posso opinar sobre o Offshore. Hoje, os investimentos na área são maciços, portanto a demanda por pessoal para tripular novas unidades de prospecção, produção e barcos de apoio será diretamente proporcional ao investimento. Obviamente, como dito anteriormente, tudo dependerá das políticas adotadas pelos vários setores envolvidos na gestão da área.
6 – Como o Sr analisa a evolução tecnológica dos últimos anos? Quais as vantagens e desvantagens?
A evolução tecnológica é uma realidade não só a bordo, mas em nosso cotidiano. Analisando somente o que ocorre a bordo, sou de opinião que a mesma veio para nos ajudar, tornando o nosso serviço mais fácil. As vantagens são inúmeras, como melhores sistemas de monitoramento, navegação e comunicação.
A principal desvantagem seria o “esquecimento” de conhecimentos básicos, como navegação astronômica e costeira. Tornamo-nos por demais dependentes da tecnologia e, na falta dela, tendemos a ficar desorientados e sem ação.
7 – O que falta para a nossa profissão ser ainda mais forte e não tenha tanta evasão de profissionais para outras áreas?
A força de qualquer categoria vem de sua união, em diversas ocasiões tivemos a oportunidade de demonstrar a nossa união. Se queremos uma marinha mercante mais forte temos de ser mais participativos e unidos. Já a evasão, pelo que tenho testemunhado, se dá mais por motivos de particulares do que por condições de trabalho e/ou salariais. Tomemos como exemplo as atuais Oficiais de Náutica e Máquinas, em algum momento de suas vidas elas serão mães. Ora, que mãe não quer estar com seu filho? Já vi exemplos de oficiais que, apesar de serem mães, embarcavam e faziam seu trabalho muito bem, porém, a saudade e a vontade de estar com seus filhos eram enormes. Já vi também exemplos de oficiais, do sexo masculino, que não se adaptaram à rotina e a vida de bordo, optando por mudar de carreira.
O Jornal Canal 16 agradece o Comandante Manoel Gomes de Souza pela contribuição em agregar conhecimento ao leitor com assuntos de extrema importância no cenário Mercante.
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