Um olhar sobre a mulher do mar…

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Parte 1

Parte 2

“Lugar de mulher é na cozinha”. Em um mundo de provérbios, já ouviu-se muito essa frase. Porém, perante um cenário de mudança, um novo provérbio surge: “Lugar de mulher é onde ela quer”. E o lugar da Capitã de Cabotagem (CCB) Valdenora Maria Travassos Lopes tornou-se o mar. Formada na primeira turma de mulheres do CIABA, entre nove mulheres fortes e dispostas a quebrar paradigmas, Valdenora, sem motivos específicos, mas inspirada por um mundo sem fronteiras, ingressou na Marinha Mercante visando fazer parte de um processo grandioso para a economia do Brasil.

     Deparando-se com dificuldades ao fazer parte da primeira turma de mulheres, a capitã percebeu que, por ser algo totalmente novo, a instituição e a própria profissão tiveram dificuldades para adequar a “vida mercante” às mulheres, entre os uniformes femininos e alojamentos,  uma série de adequações necessárias ainda estavam prestes a serem realizadas. A maior de todas as dificuldades foi a conquista do respeito pela competência técnica, dentro da escola e na vida a bordo. Como ocorre em muitos âmbitos, as mulheres vêm mostrando sua capacidade de desenvolver funções com tanta proficiência quanto os homens. Provando que a boa execução de determinadas tarefas independe do sexo de quem executa, ganhando, assim, espaço no mercado de trabalho nas mais diversas profissões.

     Desafios eram propostos diariamente. Certa vez Valdenora foi proibida de ter auxílio com as malas para subir a bordo, por que, para o comandante da determinada embarcação, ela deveria provar, desde as malas, que ela não se diferenciava do resto da tripulação masculina. E sendo dona de postura inquebrantável, se pôs a conversar com o comandante e esclarecer a situação. A capitã expõe que a vida a bordo para as mulheres tem seus prós e contras, que diferente de algumas empresas em terra, no mar o salário é sem diferenciação de sexo, que a extensa tecnologia em um navio oferece praticidade e conforto, e que cedo aprendemos a administrar pessoas, principalmente em um ambiente confinado.

     A capitã esclarece que, na Marinha Mercante, a presença feminina vem se mostrando cada vez mais forte, criando raízes nessa profissão e adquirindo sabedoria por meio dos aprendizados que as experiências a bordo proporcionam. Isso tem forjado a figura de uma mulher audaz ainda mais forte dentro de um navio, o que desmistifica a imagem do sexo altamente dependente e frágil. O ambiente, antes totalmente masculino, tomou novas formas, formas estas que englobam a sagacidade de enfrentar problemas a bordo e ter soluções imediatas e eficazes. Lidar com pessoas e situações é uma questão de dom e aprendizado altamente necessário aos mercantes, algo inerente ao sexo.

    “Desafiadora e gratificante”: essas são as melhores palavras para definir a carreira dos mercantes. A figura da capitã Valdenora remete o quanto essas duas palavras transformam-se em força e influenciam na desenvoltura a bordo. Mais do que mulheres excepcionais e de fibra, profissionais brilhantes sem perder a essência da feminilidade.

     Segue abaixo a entrevista completa:

– Quais foram as principais dificuldades encontradas durante a escola de formação?

       R: Entrei na escola em janeiro de 1997 , descobri que fazia parte da primeira turma de mulheres da marinha mercante no Brasil, aí com certeza algumas dificuldades foram aparecendo, não tinha alojamento específico , não tinha fardamento pronto, era o começo de tudo, mas  a principal preocupação era adequação a escola e a profissão. Para muitos as mulheres seriam incapaz de se adaptar a rotina a bordo.

-Quais foram as principais dificuldades após ser oficial?

       R: Conquistar o respeito de todos a bordo pela competência técnica.

– Embarcada, houve alguma situação constrangedora ou depreciativa?

      R: Teve um comandante que impediu os marinheiros de ajudar com as malas, na opinião dele teria que provar desde o começo que tinha condições para estar a bordo, começando por carregar a mala por diversas escadas. ( rs) Essa atitude não acrescentou em nada no desenvolvimento das minhas funções a bordo.

-Quando isso ocorre, qual a primeira atitude a ser tomada? (Quem contatar?)

      R: Primeiramente você não precisa perder a postura, Uma conversa com o comandante poderá resolver.

– Pelo seu ponto de vista feminino, cite alguns prós e contras da profissão até o presente momento.

    R: Temos a vantagem de iniciar na profissão sem diferença de salário por ser mulher, as embarcações estão cada vez mais equipadas com tecnologia e confortáveis, isso ajuda a superar o confinamento. Mas acredito que a principal vantagem é o aprendizado, adquirindo tolerância e capacidade de administrar pessoas com tão pouca idade. Considero o processo de certificação ainda lento, sonho com um setor unificado independente de você ter feito CIABA ou CIAGA, onde cada oficial pudesse ter um número e um histórico para que você pudesse acessar sua documentação, controle de validade, solicitação de emissão e renovação sem burocracias e de forma mais rápida.

 – Ainda é deficiente a regulamentação quanto a maternidade?

      R: Sim. A regulamentação da maternidade é o maior desafio. Depois de tantas conquistas, não minha opinião perder espaço no mercado de trabalho baseado em maternidade e retroceder totalmente.

  – Que conselho você dá as mulheres que estão começando a carreira agora sobre como se portar para que um subordinado masculino a respeite?

     R: Primeiramente desmistificar que o ambiente a bordo é totalmente  hostil e que você irá se deparar só com tripulantes despreparados, grosseiros. Acho muito triste quando recebo praticantes que não interagem com a tripulação, criando aquela barreira de autodefesa, para adquirir respeito você precisa respeitar seu ambiente de trabalho e a você mesma, Se algo ou alguém lhe incomodar fale positivamente com educação que não gostou. Saber se impor não tem nada haver com falta de companheirismo, afinal você é uma oficial e precisa resolver em vez de causar conflitos sociais.

– Depois que você embarcou, conseguia tempo a bordo para se cuidar? Ou lá não havia espaço para isso?

     R: Quando eu trabalha em navio Graneleiro na companhia de Navegação NORSUL tinha mais tempo, as estadias eram maiores o que facilita frequentar um salão de beleza, lojas etc., em apoio marítimo é mais dinâmico, o tempo é restrito, mas contamos com  academia de bordo e sem falar no cardápio baseado em uma alimentação saudável.

– Já passou por alguma situação embaraçosa em algum porto? (lá eles tem lista das pessoas autorizadas pra transitar, a autora do blog mulheres mercantes, já foi barrada de circular por lá, simplesmente por ser mulher)

     R: Era sempre complicado em alguns portos do Brasil  ser confundida com garota de programa, o segurança verificava diversas vezes a identidade e o meu nome na lista de tripulantes, meus colegas sempre passavam e eu ficava na portaria explicando que era oficial o navio, alguns achavam que a lista estava errada e me perguntavam se eu era enfermeira ( profissão muito digna ) essa atitude era baseada mais na falta de informação do que falta de respeito. Mas é impossível não ficar aborrecida.

– Como é a questão do namoro a bordo? Existe alguma regra rígida proibindo aproximação física?

     R: Não existe proibição, mas por se tratar de um ambiente confinado é bom ter senso sobre isso, já trabalhei com casais com excelente postura, até esquecíamos que os dois eram um casal, a bordo assumiam uma postura sem intimidade, enfatizando profissionalismo, já outros não tem essa capacidade o que pode causar problema.

– Como é conciliar a carreira e o casamento?

     R: Você acaba desenvolvendo muita cumplicidade  e dando valor a todos os momentos juntos, para isso é preciso que os dois se ajudem e torçam um pelo outro.

– Quais foram os principais desafios/dificuldades que você passou a bordo?

     R: Desafios e dificuldades não acabam, cada momento da sua vida você vai se deparando com uma determinada situação. Primeira vez que assumi o comando de uma embarcação, foi desafiador. Quando deixei minha filha com sete meses e embarquei foi uma dificuldade. Hoje já lido com outros tipos de desafios e dificuldades.

– Alguma vez pensou em desembarcar?

     R: Já parei por um ano e meio, precisava desse tempo pra mim, foi uma parada programada financeiramente, tive alguns percalços,  mas foi proveitoso.

– Você acredita na possibilidade da existência de um navio composto por uma tripulação inteiramente feminina no futuro? ou ainda acha que algumas funções masculinas são insubstituíveis?

     R: Acho pouco provável, não por causa de incapacidade técnica feminina, prefiro ver a mulheres interagindo, assumindo todas as funções de bordo numa tripulação de homens e mulheres.

– Pensa em ter filhos (ou já tem)? Como funciona a licença maternidade na sua empresa?

      R: Tenho uma filha , tive muito suporte da empresa durante a licença maternidade, sempre deixei claro que voltaria a embarcar. Comumente a empresa reloca a gestante para um trabalho livre de insalubridade.

– Você sofreu alguma situação de assédio (físico ou moral) a bordo? Como lidou com isso?

     R: Assedio físico ou moral é muito serio, as vezes que desconfiei que pudesse resultar para esse lado, resolvi imediatamente tendo uma postura indiferente. Cada caso é um caso, as situações são pontuais. Sempre acho que se você recebe um elogio de alguém de bordo não necessariamente está acontecendo um assédio, porém se isso te incomodar se comporte com indiferença.

– Há pessoas que consideram o trabalho de máquinas pesado para o sexo feminino. Você concorda com essa visão?

     R: De jeito nenhum. São extremamente capazes.

-Como a sua família lhe enxerga, optando por uma profissão onde se é a minoria?

      R: Minha família é meu norte verdadeiro, me apoia sempre .

– Como você vê a sua carreira na marinha mercante, daqui a 5 anos?

     R: Impossível saber, mas espero que o setor marítimo cresça e oportunidades surjam.

– Você acha que a legislação brasileira cobre suficientemente os direitos femininos? Se não, onde poderia ser implementado algo? (em relação à gravidez, licença maternidade, abusos…)

     R: Acho que já estamos no caminho, a lei  13.287/16  que proíbe o trabalho de gestante e lactante em atividades operacionais insalubres. A portaria publicada no diário oficial da União que determina um grupo de trabalho para elaboração de propostas para maternidade. São conquistas importantes.

– Como você vê a atuação do SINDMAR na defesa dos direitos da mulher?

     R: Acho que existe um interesse na causa, antigamente nos acordos coletivos de trabalho nem era citado os direitos da mulher, hoje já se tem um debate a respeito, cláusulas sendo inseridas,mas o que me preocupa é o mercado de trabalho, as proposta tendem a proteger e assegurar o vinculo empregatício, porém não podemos fechar os olhos que estas mesmas propostas de lei  podem dificultar a contratação feminina.

Continuem acompanhando o Canal de informações do CIABA e da Marinha Mercante, Jornal Canal 16!

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