A pirataria marítima e suas características
“Bêbado, o velho capitão acordou de repente. Os pêlos compridos da barba se agarravam às três argolas de ouro que lhe ornamentavam a orelha. Exalava um cheiro horrível, resultado do esvaziamento de algumas garrafas de rum na noite anterior. Passou pelo convés e viu o prisioneiro esticado no mastro. Quase morto. Havia uma faca pregada à perna do homem e o capitão se irritou. “Quem foi o imbecil que abandonou sua arma?”, gritou. Ninguém respondeu. O capitão foi até o coitado e retirou-lhe a faca. Viu, pela cor das fitas amarradas no cabo, que ela pertencia ao rapaz novato. “Idiota!”, gritou novamente. E, chamando o mestre quarteleiro, avisou: – Vamos parar na próxima ilha. Prepare uma pistola com uma só bala”
Não é de hoje que os piratas estão no imaginário das pessoas. Desde tempos remotos, os piratas são figuras conhecidas em livros, filmes, documentários e até em festas a fantasias. Quantas mulheres não suspiram com as cenas de Johnny Deep no filme Piratas do Caribe? Mas afinal, quem eram e como viviam os homens que dominaram os mares nos séculos de ouro da navegação européia? Brutamontes sanguinários ou nobres elegantes? Bandidos violentos ou homens que lutavam por sua liberdade? Bêbados inconsequentes ou estrategistas brilhantes?
História da Pirataria
Do grego peiratés, pelo latim pirata, chegando ao italiano pirata, a qual é a última escala da viagem da palavra até chegar ao português, conservando o modo de escrever do latim e do italiano. Pessoa (homem ou mulher) de nacionalidade indefinida que pratica o assalto no mar visando o lucro próprio. O pirata não representa uma nação, sendo assim (pela lei) inimigo de todas.
Primeiramente, a pirataria marítima foi praticada por gregos que roubavam mercadores fenícios e assírios desde, pelo menos, 735 a.C. A pirataria continuou a causar problemas, atingindo proporções alarmantes no século I d.C., quando uma frota de mil navios piratas atacou e destruiu uma frota romana, pilhando aldeias no sul da Turquia. Os Piratas são considerados uns dos precursores dos conhecimentos de navegação marítima.
Eles preferiam navios pequenos e rápidos, que pudessem lutar ou fugir de acordo com a ocasião. Preferiam o método de ataque que consistia em embarcar e realizar o ataque corpo a corpo. Saqueavam navios de mercadores levemente armados, mas, ocasionalmente, atacavam uma cidade ou um navio de guerra, caso o risco valesse a pena. Normalmente, não tinham qualquer tipo de disciplina, bebiam muito e sempre terminavam mortos no mar, doentes ou enforcados, depois de uma carreira curta, mas transgressora.
No auge, os piratas controlavam cidades insulares, que eram paraísos para recrutar tripulações, vender mercadorias capturadas, consertar navios e gastar o que saqueavam. Várias nações faziam vista grossa à pirataria, desde que seus próprios navios não fossem atacados. Quando a colonização do Caribe tornou-se mais efetiva e a região se tornou economicamente mais importante, os piratas gradualmente desapareceram, após terem sido caçados por navios de guerra e suas bases terem sido tomadas.
Desde aí, a pirataria vem perdendo importância, embora, em 1920, ainda tivesse a sua relevância nos mares da China. Atualmente, a pirataria revela-se mais incidente no Sudeste Asiático e ainda no Caribe, sendo os locais de ataque espaços entre as ilhas, onde os piratas atacam de surpresa com lanchas muito rápidas.
Um relato do 2ª oficial de náutica Rogerio Valois:
“Alguns dias antes de receber meu primeiro chamado de embarque, eu
acompanhei o caso do Capitão Phillips pela televisão. Quando subi a
bordo do Kalmar, já sabia dos casos de pirataria que ocorriam na costa
da Somália, bem como sabia que nossa derrota abrangia tal região.
Nossa primeira passagem foi para o porto de Rotterdam e, logo em
seguida, empreendemos viagem para Dubai. Antes de iniciar nosso
cruzamento pelo Canal de Suez, já recebíamos diversos relatos de
ataques piratas por email e muitas mensagens DISTRESS pelo DSC do SSB.Todos os navios da frota tinham ordem expressas de navegar pelo Golfo
de Áden com velocidade máxima, entrando o navio em MARSEC LEVEL 3
(nível 3 de proteção segundo o ISPS Code). Todas as portas eram
trancadas, todas as vigias tampadas para evitar a propagação das luzes
no interior da superestrutura, além disso, qualquer trabalho no convés era
proibido.Realizei seis passagens pela área da mesma forma. Havia sempre uma
pequena tensão entre a tripulação, mas, em geral, o trabalho seguia de
forma normal.Em outra passagem para Dubai, antes de entrar no Golfo de Áden,
passando pelo estreito de Bab El Mandeb, fomos perseguidos por uma
lancha batedoura. Eu estava de serviço no passadiço, junto com um
Oficial original da Índia. Mantivemos vigilância constante aos radares
e, então, avistamos um pequeno rastro vindo em nossa direção.
Confirmamos pelo binóculo se tratar de uma lancha, com tripulantes
suspeitos, com estereótipo similar aos já conhecidos piratas somalis.
Chamamos o comandante ao passadiço e realizamos algumas pequenas
manobras para tentar nos afastar da lancha. Estávamos fazendo 22 nós,
mas, rapidamente, eles já nos perseguiam com 26 nós pelos cálculos do
ARPA. Tivemos sorte ao chegar no final do estreito e encontrarmos um
mar bastante encarneirado. O Kalmar é uma navio grande, 300m de
comprimento e 43m de boca, não tivemos dificuldades em manter nossa
velocidade frente às condições de mar, diferentemente dos piratas, que,
em pouco tempo, deram meia volta e seguiram outro caminho.Só comentei esse fato com amigos e familiares pela primeira vez quando
voltei para casa, em julho de 2009, não queria deixá-los preocupados,
principalmente minha mãe.”
Cenário atual da pirataria no mundo e sua legislação
Os julgamentos para a pirataria, eram, muitas vezes, influenciados por tribunais almirantados, tribunais que haviam sido fundados na década de 1340 na Inglaterra, para julgamentos que dissessem respeito a grandes crimes. Uma vez condenado, o pirata podia ser enforcado a qualquer hora, dez dias depois do julgamento.
E nos dias atuais? Como são julgados os casos de pirataria?
No âmbito mundial, a identificação e punição dos piratas é outra tarefa a ser enfrentada pelos governos. Em primeiro lugar, porque o navio pirata está, muitas vezes, escondido sob uma falsa bandeira, e isso, por si só, já pode gerar um conflito internacional. Eles, geralmente, não estão submetidos a nenhum Estado. Como forma de disfarce, usam bandeiras e inscrições falsas ou compram bandeiras de países conhecidos por essa prática.
No quesito punição, a questão não se simplifica. A Convenção de Montego Bay diz, em seu artigo 100, que todos os Estados devem cooperar na repressão à pirataria em alto-mar ou em outro lugar que não se encontre na área de jurisdição de algum Estado, também chamada de mar territorial, correspondente a 12 milhas náuticas. Aos tribunais do Estado que efetuou o apresamento cabe decidir as penas que serão aplicadas e as medidas a tomar no que se refere à embarcação. No mar, todos os países estão em par de igualdade, não havendo nenhum país superior ao outro. Devido a isso, uma prática comum, nos casos de pirataria, é a formação de comissões compostas pelos países de uma mesma área marítima. Essas comissões se responsabilizam pelos casos de pirataria naquela região, julgando os casos ocorridos e tomando as medidas cabíveis.
No Brasil, com o objetivo de complementar a proteção ao mar, foi criada uma comissão composta por representantes da Marinha e dos ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Transportes e Fazenda. Essa comissão deve elaborar planos e implantá-los, visando a proteção em relação a atos ilícitos nos portos, como a pirataria e sua repressão.
Sem fronteiras, julgados ou não, os piratas de hoje são um retrato do desequilíbrio social planetário. Há, ironicamente, classes sociais também no mundo da pirataria. De sardinhas a tubarões, as motivações de ataque variam. Há os que roubam por necessidade, os que o fazem para enriquecer e, até mesmo, os que investem pesado na pirataria para derrubar governos, bons ou maus.
Antigamente, os piratas eram vistos somente como bandidos, bêbados que tinham o objetivo de extrair riquezas de forma perversa. Hoje, há quem defenda que os piratas têm seus motivos para tais atos. Veja outro ponto de vista no video abaixo sobre a pirataria na costa da Somália:
Os filmes e livros descrevem uma ideia romântica dos piratas clássicos, mas a pirataria moderna pode ser tudo, menos romântica. Em 2005, cerca de 300 navios foram atacados por piratas, mas o maior número de ataques registrado foi em 2003: 450. A maioria desses ataques aconteceu nas costas da Indonésia, Somália e Bangladesh. As autoridades também relataram, na época, que o Iraque está se tornando um local comum para a ação dos piratas. Os alvos mais comuns dos piratas modernos são os navios de carga, os porta-containers e os navios-tanque. Os navios são muito vulneráveis quando estão ancorados ou sendo carregados.
A pirataria aumentou durante os últimos anos por diversas razões:
- As condições econômicas nas áreas propensas à pirataria levaram muitas pessoas a partir para este tipo de atividade ilegal e estas condições também impediram que os governos respondessem adequadamente aos relatos;
- Alguns comandantes de navios relutam em denunciar os ataques piratas porque isto pode conduzir a atrasos e custos. Em alguns casos, eles questionam a integridade e a eficiência das autoridades locais;
- As companhias de navegação estão cortando o número de tripulantes para economizar dinheiro. Uma tripulação menor, torna-se menos capaz de reagir às ameaças e manter vigilância constante.
Para prevenir um ataque pirata, a tripulação deve:
- Evitar conversar sobre a rota do navio ou da carga enquanto estiver no porto;
- Manter vigilância constante em áreas propensas à pirataria;
- Evitar engarrafamentos no transporte entre terminais;
- Vasculhar o navio antes de partir do porto para conferir se não existem pessoas sem autorização a bordo. A melhor defesa contra os ataques dos piratas é a evasão. É mais fácil evitar que os piratas subam no navio do que forçá-los a sair.
No caso da aproximação de piratas, a tripulação deve:
- Pedir ajuda e alertar os outros navios na área;
- Tomar medidas evasivas e tentar fugir dos ataques;
- Soar o alarme, usar as luzes do navio para iluminá-lo e fazer o que for possível para deixar claro para os piratas que eles perderam o elemento surpresa.
Se os piratas se aproximarem do navio, a tripulação deve tentar se livrar dos ganchos ou cordas que eles utilizam para subir no navio. A tripulação também pode usar as mangueiras de incêndio para deter os piratas ou tentar empurrá-los para fora do navio. Entretanto, os especialistas não aconselham a tripulação a portar armas de fogo, porque a presença de armamento pode encorajar os piratas a responderem com violência. Se os piratas conseguirem entrar no navio, a prioridade da tripulação é a segurança pessoal. A tripulação deve tentar manter o controle e encorajar os piratas a partir.
Lendas Piratas – Muito do que se imagina sobre eles é pura invenção
- Prancha
Que fim seria mais cruel do que caminhar para a própria morte? A ideia de que piratas faziam seus prisioneiros caminharem sobre a prancha, a fim de se afogarem em alto-mar, foi eternizada por uma ilustração do americano Howard Pyle. Mas a prancha era, na verdade, utilizada para jogar os corpos dos mortos no mar.
- Olho de vidro e perna de pau
Sem médicos ou remédios, era comum ferimentos infeccionados acabarem em amputações. Pernas de pau eram comuns porque sempre havia um carpinteiro a bordo. De ganchos e olhos de vidro, no entanto, não se tem notícias. O tapa-olho também era comum.
- Ouro escondido
O mito nasceu com o capitão Kidd e se espalhou. Como os relatos dos ataques piratas envolviam sempre muito dinheiro – que nunca era recuperado –, dizia-se que eles eram enterrados. “É improvável que eles poupassem alguma coisa. Em geral, gastavam tudo no primeiro porto”, diz San Martin.
- Tatoos e brincos
Eram comuns entre os marinheiros. Os desenhos pelo corpo serviam para marcar grandes feitos ou nomes de namoradas. Os brincos eram colocados na orelha cada vez que se atravessava o cabo da Boa Esperança ou o estreito de Magalhães. Também serviam como amuleto.
- Papagaiada
Foi por causa do pirata Long John Silver, personagem de Stevenson na obra Ilha do Tesouro, que a lenda do papagaio sobre os ombros se espalhou. É pouco provável que qualquer animal de estimação escapasse da fome dos marinheiros, quando nada que pudesse ser comido escaparia da panela.
Em meio a polêmicas e lendas, não há como negar que os piratas tem seu espaço no desenvolvimento da navegação e evolução da segurança marítima. Nós já comentamos aqui no jornal o famoso caso do Capitão Phillips e o drama a bordo do Maersk Alabama. Clique aqui para ver nossa matéria. O Jornal Canal 16 continua comprometido com as publicações de matérias que esclarecem e que auxiliem nossa missão nos grandes mares. Sucesso e bons ventos!
Bibliografia
http://www.dicionarioetimologico.com.br/pirata/
http://piratas-dos-sete-mares.blogspot.com.br/
http://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/5659_PIRATAS+DOS+TEMPOS+MODERNOS
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