Vida Mercante #2: Na Sala de Máquinas com a 2OM Amanda Silva
Na Sala de Máquinas com a 2OM Amanda Silva
A trajetória da mulher que opta pela praça de máquinas
Já que, no último dia 8, comemoramos o Dia Internacional da Mulher, o Jornal Canal 16 sente-se no dever de prestigiá-las com matérias voltadas à importância da mulher na Marinha Mercante. Conversamos, então, com a 2OM Amanda Silva, 24 anos, natural do estado do Pará. Amanda praticou na Transpetro, no navio NT Carangola, que transportava óleo a base de urucum, carregando em Coari (AM), e seguindo para Suape (PE), Salvador (BA), São Sebastião (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Paranaguá (PR).
Há dois anos, Amanda está na empresa Bram Offshore, em um barco de apoio marítimo que transporta fluido de perfuração para plataformas. Seu navio costuma passar a maior parte do embarque somente na bacia, volta para terra quando se tem a troca de turma ou quando é necessário carregar os fluidos. É uma embarcação muito requisitada, pois carrega seis produtos diferentes, e, assim como fornece, ela também recebe das unidades marítimas, durante a perfuração, os resíduos que as unidades extraem, os quais precisam ser descartados. Diferente de um navio, na embarcação em que está alojada, a máquina controla as operações de carga e descarga, além dos serviços mais comuns de um maquinista, condução e manutenção, em um período de serviço que é de 12 horas de trabalho por 12h de folga.
1 – O que a levou a fazer o curso de máquinas?
Quando eu estava no primeiro ano da EFOMM, a Marinha Mercante estava sofrendo com o fato de muitos alunos estarem saindo da escola como pilotos, e havia uma deficiência no mercado pela falta de maquinistas. As autoridades competentes decidiram que, naquele ano, a turma deveria ser metade de máquinas e outra metade de náutica. No fim do ano, informamos à superintendência de ensino qual curso gostaríamos de fazer e, de acordo com nossa classificação, as vagas foram sendo preenchidas. Apesar de eu ter “marcado o “X” em Náutica”, a máquina “me escolheu”.
2 – Como foi o primeiro contato com a praça de máquinas do navio? Sentiu diferença no tratamento por ser mulher?
Apesar do suporte que temos na escola (laboratórios, simuladores e todas as aulas práticas), sempre nos surpreendemos ao chegar a bordo e ver tantos equipamentos, redes e válvulas. A quantidade de informações é grande, no início, sempre ficamos confusos e um pouco perdidos. Ao mesmo tempo, estava assustada com o compromisso que teria de encarar a partir daquele momento, já que a máquina é o coração da embarcação, a responsabilidade de conduzir e manter é grande, isso assusta qualquer marinheiro de primeira viagem. A ansiedade para dominar o ambiente e começar a me sentir à vontade era imensa, e a tripulação me ajudou muito a desvendar e encarar esse novo mundo, cheio de informações e desafios, sem me diferenciar por nenhum motivo, acolhendo-me de forma respeitosa e gentil.
3 – Nós sabemos que a maioria dos tripulantes dentro de um navio são homens. Você já passou por alguma situação inconveniente que poderia dividi-la conosco?
Até hoje, quando digo que sou maquinista, presencio reações diversas, não só a bordo, mas também em terra. É natural que algumas pessoas levem mais tempo para se acostumar a ver uma mulher em um local de trabalho no qual o sexo masculino predominou durante muito tempo, alguns ainda se incomodam por eu ter um cargo superior, ou, até mesmo, por eu ter algum tipo de limitação para certos serviços (pois para conclui-los, às vezes preciso de alguma ajuda). Em geral, a maioria das vezes fui bem aceita no meio deles e, quando passei por um período mais constrangedor, no qual ouvi perguntas indiscretas e recebi ações fora do padrão para um ambiente profissional, eu informei aos meus superiores, que encaminharam as informações para pessoas responsáveis, as quais agiram da forma mais adequada para resolver a situação.
4 – Há pessoas que consideram o trabalho de máquinas pesado para o sexo feminino. Você concorda com essa visão?
Eu não considero um trabalho pesado, minha justificativa se estende não apenas para as maquinistas, ela vale para qualquer profissional, pois, acredito que, se você faz o que gosta, o serviço jamais será difícil ou inadequado, independentemente do seu sexo, religião ou raça etc. Você pode até precisar de ajuda para algumas coisas, mas todo mundo precisa ou precisará um dia. Caso alguém se negue a te ajudar, então o problema não seria com você, mas sim, com a pessoa que não está disposta a fazer parte da equipe, pois uma equipe que trabalha unida jamais se negaria a ajudar um membro.
5 – Devido ao serviço no navio, há alguma dificuldade em manter a vaidade feminina. Há alguma proibição do comando ou da companhia?
Nas embarcações que frequentei nunca me impuseram nada sobre isso, no máximo, ouvi alguns conselhos para apenas tomar cuidado com certas ações, pois o fato de estarmos confinados pode ocasionar mudanças inesperadas em algumas pessoas, e elas podem reagir de maneiras diversas, podendo até interpretar mal qualquer atitude sua. Eu prefiro estar o mais discreta possível quando embarcada, procuro não ter tanta vaidade, para não chamar atenção e não fazer com que me entendam errado. No entanto, não vejo com maus olhos mulheres que têm opinião diferente da minha, apenas acho que, em um ambiente de trabalho, prevalece a discrição. Preciso apenas deixar bem claro que para as maquinistas é bem mais difícil manter a vaidade e aparência do que para uma oficial de náutica.
6 – Em relação aos relacionamentos, é mais fácil quando se relaciona com alguém da profissão? Como é ficar distante das pessoas que gosta durante um bom tempo?
É sempre difícil, pois, às vezes, ficamos sem poder nem, ao menos, mandar um e-mail, mas as pessoas são muito diferentes, são únicas, reagem e encaram as dificuldades de formas distintas. Portanto, nenhum casal será igual ao outro e vai da sinceridade, companheirismo e afeto de cada um para encarar essa situação. Independentemente, se o parceiro for “vapozeiro” ou “terráqueo”, é sempre difícil estar longe de quem você gosta (sejam eles, maridos, filhos, pais ou amigos)! Mas o valor e o sentimento que você tem por eles vão além da distância, e, se o sentimento for recíproco, não precisam se preocupar. Conheço pessoas que se relacionaram com outros marítimos e outras que estão com pessoas de terra, mas acredito que ambos têm a mesma chance de ter um relacionamento duradouro, depende apenas de seus sentimentos verdadeiros.
7 – Para as mulheres que têm dúvida quanto à escolha do curso, devido à vida da maquinista a bordo, o que você recomendaria? E para quem já optou pelo curso de máquinas, algum conselho?
Não é a vida do maquinista que é difícil, é a vida do marítimo. As piores coisas a se enfrentar a bordo são a solidão e o confinamento, e isso você irá enfrentar sendo maquinista ou piloto. Escolha o curso pela sua aptidão, e não pelo que você entende como ser difícil para mulheres ou homens, pois seu profissionalismo é fruto da sua vontade de trabalho. Se dediquem e façam o que gostam.
Não tenham medo! Se é o que vocês querem, então corram atrás! Seus sonhos e objetivos valem muito, nunca se deixem abater, vocês ouvirão piadinhas e talvez até comentários desaforados, mas não se deixem enfraquecer. Assim como algumas pessoas vão tentar te enfrentar ou desmoralizar, outras estarão ao seu lado e vão te ajudar a superar, busquem força com elas. Precisamos confirmar a competência das mulheres, insistir por nosso lugar na sociedade, já conquistamos muito ao longo dos anos, mas temos que continuar provando o quanto somos valentes e capazes, basta querermos. Não existe ninguém melhor nem pior que o outro, somos iguais, todos capazes de tudo, então vamos mostrar que a mulher pode estar também na máquina e que fará um serviço tão competente quanto o homem. Nunca abaixem suas cabeças e mostrem que somos fortes. Mantenham o respeito, não só com os outros, mas com vocês mesmas também.