Estimada Presença – Com carinho, Carolina

     MesquiPort, 26 de setembro de 2001.

     Estimada Presença,

     Tínhamos acabado de atracar e resolvi dar uma volta por Wonttoneli, que era uma praça das proximidades. Foi quando, de repente, vi várias crianças empinando pipas! Pipas grandes, pequenas, coloridas, de uma única cor, enfim, repletas de uma vasta criatividade em seu processo de produção. Como podia algo tão simples, uma cena tão comum daquela, ter me remetido à minha infância? Não sei… Ou talvez até saiba, não exatamente como, mas tenha uma vaga ideia e é por isso que te escrevo (mesmo também sabendo que jamais te enviarei minhas palavras).

     Não me recordo, ao certo, de quantos anos possuía, mas acredito que estava lá pelo meu Ensino Fundamental, época em que ainda sonhava com os mares… Não tinha uma idade avançada a ponto de me situar cronologicamente neste tipo de evento que ocorria em minha escola. Se me perguntassem o motivo de tudo aquilo estar acontecendo, não sei, de quem tinha sido a ideia, também não sei, qual era a necessidade acadêmica daquela atividade, novamente não sei. A única coisa que consigo explicar a respeito do referido dia é como eu me senti e provavelmente nunca tenha compartilhado isso com alguém, portanto, considere-se, dentre as presenças que, atualmente, já não importam mais, a que mais importava.

     A chegada de todos os pais ia me deixando cada vez mais com esperança e expectativas altas! Olhava para aquele portão como quem assistia a uma partida de vôlei durante um “vai a dois”. Cada vez que se abria, acreditava que poderia ser o senhor. Mas não era. Os minutos iam se esvaindo e nada. Ninguém. Não me dei por uma criança vencida! Hoje posso afirmar isso. Todos os meus colegas já estavam devidamente acompanhados e em suas respectivas posições para que a atividade pudesse ser iniciada. Ouvi passos apressados e, antes que me virasse para verificar de quem pertenciam, senti um alívio. O alívio de uma pessoa que não montaria sozinha aquela, hoje, tosca pipa, mas, na época, a pipa mais importante que eu poderia ter tido. Infelizmente ou felizmente, como toda criança, tive uma atitude ingênua. Tudo que mais queria no momento era que fosse o senhor, mas me enganei. Chateei-me mais ainda por ter sequer considerado que viria. Por fim, era apenas uma das coordenadoras da escola que havia se atrasado devido a um engarrafamento.

     Fui me distraindo com esses nostálgicos pensamentos e, quando me dei conta, tropecei em uma pipa que repousava sobre o chão. Infelizmente acabei quebrando o objeto e com o som do rompimento de sua estrutura veio o de um choro de uma criança, provavelmente a dona, que se encontrava do outro lado da calçada. Assim que se deu conta do que tinha acontecido, veio correndo verificar a cena de uma das maiores atrocidades no mundo de uma criança: a destruição de um de seus brinquedos por parte de um adulto.

     Tentei me desculpar mas ela não parava de chorar. Quando finalmente cessou o choro, como ainda me sobrava um certo tempo antes de ter de regressar para bordo, acabei me oferecendo para montar uma pipa nova com ela junto com as crianças que estavam fazendo a mesma coisa na praça. Parou um pouco e pensou. Pensou mais um pouco e, logo em seguida, aceitou. Então montamos a pipa! Mas não foi como montar qualquer uma. Foi como montar uma pipa nunca montada com meu pai.

     Até o nosso próximo encontro,

     P.

TEXTO – Al. Carolina Moura

REVISÃO – Al. Juliana Vieira

 

 

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