Que Porta? – Com carinho, Carolina

     Estava prestes a abrir a porta para deixar o passadiço. Estava na dúvida se queria mesmo sair ou não. Gostava de estar por ali… Gostava da vista do mar, talvez fossem os painéis, os controles, os alarmes, as cartas náuticas, os sistemas de radar, os manuais, enfim, cada detalhe daquele lugar me fazia não querer sair, pois, uma vez que saísse, por mínima que fosse, haveria a possibilidade de não regressar.

     Provavelmente, o que me causasse esta dúvida, de fato, fosse a sensação de estar deixando tudo aquilo. Certamente voltaria dentro de instantes, mas não teria deixado eu de, por um instante, ter saído. Ao mesmo tempo que possuía isso em mente, também pensava que, efetivamente, precisar sair. Necessitava ir ao convés principal executar uma faxina e deveria tomar cuidado para não me atrasar!

     Quando aceitei vir para bordo, sem dúvidas, tive de passar por uma das portas mais difíceis: a porta de casa. Aquela que, naquele momento, separava a vida que me escolheu da vida que eu escolhi. A porta em que me encontrava agora só era mais uma pela qual diariamente cruzava e que nunca havia parado antes para analisar. Estava envernizada, era mais ou menos da tonalidade do castanho de um quadradinho de caramelo e possuía uma vigia na altura do horizonte o qual a minha estatura – levemente pequena – permitia que os meus olhos enxergassem.

     Acredito eu que a graça de todas as portas seja a capacidade de conseguir nos tirar de um local simultaneamente nos colocando em outro, ambos distintos. Cada movimento que faço a favor do meu destino sabota a minha origem, ou seja, uma despedida do lugar de onde saio se traduz em uma saudação ao local aonde vou. Ansiava por vivenciar o que estava ao meu aguardo, ou então, o que eu estava a aguardar. Tinha lá minhas incertezas, é claro, mas sabia que mesmo indo embora, por mais que, eventualmente, não conseguisse regressar, poderia sempre ser capaz de olhar para trás e me recordar de onde vinha. Olhar para trás não com o peso do arrependimento de alguém que abandona algo ou com a vontade de se esquecer de tudo – pois a forma como interpretamos as portas é escolha nossa – mas, com a visão de uma pessoa capaz de fazer da sua origem a dedicatória para a história do seu destino.

     Acabei dando um pulo de susto quando o alarme do meu relógio tocou e me assustei mais uma vez ao ver que já tinham passados 30 minutos e 08 segundos desde que haviam solicitado minha presença no convés principal. Seria hoje, 27 de março, o dia em que me atrasaria pela primeira vez desde que embarquei? Seguramente não! Corri em direção ao local onde deveria comparecer, o mais rápido que pude e, ao me surpreender com o barulho que a porta do passadiço fez ao bater, olhei para trás… Pude ver, através da vigia, uma fração das mareantes águas salgadas que me envolviam.

TEXTO – Al. Carolina Moura

REVISÃO – Al. Juliana Vieira

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